As crianças e as doenças reumáticas

Em Portugal, as artrites juvenis chamadas de idiopáticas atingem uma em cada 1000 crianças em idade escolar. A professora Ana Filipa Mourão, esclarece as dúvidas mais comuns.

Embora possam surgir em qualquer idade, cerca de 40% dos casos iniciam-se antes dos cinco anos e 15% antes dos 24 meses de vida. De um modo geral, a doença afeta mais as raparigas que os rapazes. Os sinais e sintomas mais comuns são a dor, o inchaço nas articulações, a rigidez matinal, a febre e manchas no corpo.

A artrite mais frequente

A artrite idiopática juvenil é a artrite crónica mais frequente nas crianças. No entanto, outras doenças como Lupus Eritematoso Sistémico, Dermatomiosite Juvenil e Vasculites também fazem parte das patologias registadas entre crianças.

A forma mais comum de artrite idiopática juvenil é a forma oligoarticular, que envolve até quatro articulações nos primeiros seis meses da doença, e que representa quase 50% da totalidade dos doentes com esta patologia.

Em Portugal, a incidência da artrite idiopática juvenil ainda não é conhecida, mas estima-se que não seja uma doença rara. A Sociedade Portuguesa de Reumatologia desenvolveu um instrumento de registo nacional de doentes reumáticos, o Reuma.pt, onde estão registados cerca de 25000 doentes, incluindo 1500 (6%) doentes Portugueses com artrite idiopática juvenil. Existe uma distribuição bimodal da doença, com um pico de incidência entre 1 e 3 anos e outro entre os 8 e 10 anos. Este registo (Reuma.pt) é uma referência, mas não representa a prevalência em Portugal.

A etiologia da artrite idiopática juvenil é desconhecida: fatores genéticos e ambientais parecem ter um papel relevante na suscetibilidade e evolução da doença.

Os fatores ambientais possivelmente associados ao desenvolvimento da artrite idiopática juvenil são os agentes infeciosos, os traumatismos físicos, os fatores hormonais e psicológicos.

A criança com artrite idiopática juvenil pode apresentar, além da artrite crónica, manifestações extra-articulares variáveis, dependendo da forma de início da doença.

Os doentes podem apresentar anorexia, fadiga, perda de peso e febre. São ainda exemplos de manifestações extra-articulares o eritema cutâneo, adenomegálias, serosite, hepatoesplemegália, entesopatias e uveíte (inflamação do olho).

Articulação mais afetada

Na criança com artrite, os joelhos são as articulações mais frequentemente envolvidas. Por vezes a dor na articulação é pouco intensa, o que pode dificultar o reconhecimento do problema articular. As crianças mais pequenas têm dificuldade em identificar o local da dor, e muitas vezes, o problema articular é notado devido à diminuição das atividades habituais, alterações da marcha, dificuldade ou choro à movimentação de determinados segmentos dos membros e rigidez matinal.

É imprescindível o início atempado da terapêutica adequada e o controlo destas doenças para uma maior qualidade de vida das crianças, com repercussões na vida adulta. Mais de metade das crianças com doenças reumáticas apresentam algum sinal da patologia ou alguma sequela funcional quando atingem a idade adulta. O diagnóstico precoce é decisivo para um tratamento adequado, prevenindo a sua progressão, restaurando funções orgânicas, promovendo um crescimento normal e evitando consequências a curto e a longo prazo.

Tratamento

Os objetivos do tratamento são prevenir a dor e destruição nas articulações ou em outros órgãos e permitir que a criança volte a ter uma vida normal. Não existe medicação específica que cure a artrite idiopática juvenil. Contudo, pode ocorrer remissão espontânea após um período de tempo variável e imprevisível.

Na última década registaram-se grandes mudanças no tratamento de crianças com doenças reumáticas, sobretudo com as terapêuticas biotecnológicas, sendo muito importante uma maior consciencialização da comunidade para estas doenças, uma vez que a família e a escola assumem um papel decisivo na gestão das doenças reumáticas na criança.

Se a criança com artrite idiopática juvenil for tratada atempada e adequadamente, por médicos especialistas em Reumatologia Pediátrica, a maioria poderá levar uma vida dentro da normalidade. Nos casos em que ocorre um grande atraso na instituição de terapêutica podem ocorrer deformações e limitações irreversíveis.

Texto da autoria de: Professora Ana Filipa Mourão, reumatologista da Sociedade Portuguesa de Reumatologia